quinta-feira, 14 de maio de 2009

Horizonte dos olhos

Era um homem do mar. Não escolheu essa vida para domar as ondas, nem para bramar aos quatro ventos os segredos das águas e da vida absorta nelas. Assim se fez porque desde pequeno foi seduzido pelo horizonte.

Entretanto, não era tolo. Sabia que seria impossível colocar na agulha a linha que circunscreve o mundo. Quis preservar-se do desejo inútil de tocar o horizonte, mas nem sempre a razão se mantém no comando de um peito amotinado.

Dia a dia contemplava aquela linha famélica que partia a vida em dois, na esperança de desgastá-la, corroê-la, rebaixá-la à esfera insignificante de sua compreensão. Inútil. Tudo o que conseguiu foi encontrar um paliativo na constância do horizonte, que lhe apaziguou a alma tomando o corpo como refém. Subjugara o próprio desejo, mas agora sentia enjôos ao avistar montanhas e ao fechar a janela de seu quarto de dormir.

Certa vez, no restaurante da vila de pescadores que dava vista para a serra, encontrou-se segurando o estômago para não servi-lo nas bandejas alheias. Foi quando uma moça entrou. Seu vestido, de um azul incerto, tremia sobre os pés quase nus e repousava ao atingir-lhe o tronco. Do alto da cabeça, seu cabelo pendia em cachos através da presilha, numa rebeldia própria de suas ondas. Ela tinha um ar sereno, gentilmente amplo, gestos brandos. Ahquela moça... Já a teria visto em algum lugar?

Caminhou na direção dela, como que atraído, ou por simples ato reflexo, não sei. A cada passo sentia-se diminuir, diminuir... e por fim, tocou-a. Ela se virou e olhou-o nos olhos. Ele perguntou a ela como era seu nome. Ao que respondeu, com um sorriso: Armila.

Ali se acabaram todas as suas náuseas e motins interiores: aquela moça era o horizonte em pessoa. Foi com ela que ele deu a volta ao mundo pela primeira vez.

Um comentário:

Carolina Lima disse...

Lindo! Fiquei até arrepiada!!!