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Há vários “primeiros” que a gente nunca esquece, ainda
que não se lembre deles constantemente: o primeiro beijo, o primeiro emprego, a
primeira vez, o primeiro filho, o primeiro crime. Difícil é fugir da constante lembrança da
primeira solitária.
Na cadeia, existem dois tipos de detentos: os que já são culpados
e os que em breve o serão. Sim, porque entre as grades, ainda que a inocência
seja genuína, ela logo empalidece e cai morta, pelo bem da vida de quem a
carrega. Inocência e sobrevivência só rimam em livreto de infantário. Agora, qual
a minha categoria? Não faz diferença, com o tempo, todo mundo se fazia igual. Se
bem que tudo numa cadeia é questão de tempo, e por conseqüência, de dinheiro,
maldito Franklin. Só que aqui sobra um e falta o outro, é sempre assim. Quem
tem a grana em pouco tempo vai-se embora, ou dentro no carro do advogado ou no
saco do IML. Quem tem o tempo, pouca grana lhe resta, você não faz idéia de
quanta dívida a gente contrai quando está em cana. Mais até do que esses vírus
todos que circulam de graça de homem em homem.
Mas o ruim da primeira solitária é que a gente nunca sabe
quanto tempo dura. E ela sempre vem nos primeiros dias, quando você ainda não
confia em ninguém nem ninguém em você. Tudo o que a gente ouve dizer soa a trote
de calouro, ainda mais porque ficar sozinho num canto escuro não parece ser tão
difícil pra quem tem a alma solitária e morcegal.
Se dizem que a cadeia é a sala de espera do inferno, a
solitária é o despacho.
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Acostumar-se com a escuridão não custa tanto. Qualquer
pessoa consegue logo nos primeiros dez minutos, mas demora meia hora pra
adaptação completa. É claro que existem aquelas técnicas de usar visão
periférica, apertar os olhos com a mão por dez segundos, essas coisas todas que
ajudam a ver melhor no escuro, mas isso não interessa tanto. O que dá mais agonia é se perder no tempo, dá
pra endoidar o sujeito. Na solitária, o dia não dura 24 horas, dura o tanto que
determinam que a gente fique lá. Ainda que você saia e só volte onze meses
depois, quando entra de novo, parece que você só tirou a folga do almoço pra
voltar pra lá. Todos são um só e o mesmo dia. Os espertos aproveitam pra ficar
mais fortes, fazem flexão, abdominal e o caramba, pra cansar bastante o corpo e
deixar o sono pesado, faz passar mais rápido. Mas até os mais espertos cansam.
E se desesperam. Já te disseram das mirabolantes tentativas de suicídio? Ainda
bem. Foi lá que eu entendi que um dia é como mil anos e mil anos são como um
dia. Quem passou pela solitária tem mais noção de eternidade do que qualquer
capelão seria capaz. E ela é perigosa.
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Olha as marcas na parede. Frangote sente até medo quando
entra. Aquelas, onde tem 1 1 11 eu que fiz. É que quando a gente está na
cadeia, o mundo da gente vai diminuindo, diminuindo, até que se resume só
nisso, nesses códigos bestas que só a gente entende. É preciso muita força pra não
esquecer quem a gente é de verdade. Metem a gente nessa gaiola com nome de
ladrão, assassino, o que for. É, isso a gente acaba sendo mesmo se não fosse
quando chegou aqui. Mas esquecem que a gente tem uma mulher que ama mais do que
a própria vida, uma mãe que só não morreu de desgosto porque o pai teve alta do
hospital três dias depois do julgamento. Nunca mais vi nenhum deles. Fiz até
faculdade, acredita? De nutrição. Queria trabalhar numa academia, mas na escola
de grã-fino pagava melhor. Agora, se pegar numa caneta não sei mais nem dar
pingo em i. Por mais que a cabeça seja forte, o tempo é muito grande. As barras
de ferro viram parte da sua costela, quando você se dá conta, você não é mais presidiário,
você é a própria prisão. Podem te tirar daqui um dia, mas você vai estar sempre
enclausurado.
Cada tracinho daqueles é o conjunto de dez anos. Se eu
marcasse os dias de cárcere não ia ter parede que chegasse. Trinta e um anos não
é pra qualquer um, tem gente que nem chega a fazer essa idade. Eu não deveria
ter marcado o último traço, mas, como já falei, um dia é mil anos, e aquele
último ano foi como dez deles. Nem sei quantas vezes vim parar nessa saletinha
fedida naquela época, nem ligava mais.
Ainda bem que vão implodir essa pocilga. Dentro de mim
ela já está implodida faz tempo. Pena é que os escombros são pesados demais.
3 comentários:
Oi Manu, muito obrigado pela sua participação no Duelo.
Estou lá há 3 anos e poucas vezes vejo uma primeira tentativa dar certo.
Seja bem-vinda e participe sempre.
Manuzita, amo de paixão as coisas que você escreve, me arrebatam sempre!
Fiz um blog para mim também e coloquei os seus na minha lista de favoritos, ok?
Se quiser me visitar vá em http://escriturasdeprazer.blogspot.com/
Bjus, Carol
Oi Manu.. Num sabia que vc tinha sido presa hehe
A perfeiçao com q vc escreve e a capacidade de incorporar o personam e passar os sentimentos dá vida à história. Não eh de se admirar se alguem achar que a história vem de um ex-detento...
Parece que vc foi presa! kkk
Beijos minha querida. Vc estreve realmente muito bem. Nao deixa nada a desejar frente a uma grande profissional
Fico orgulhoso da minha pequena Manu... cresceu e eu nem vi kkk
BEIJOSS
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