terça-feira, 20 de maio de 2008

Esmola pra mim

Hoje me aconteceu um fato inusitado.
Eu nunca sei o que fazer quando algum excluído social se aproxima me pedindo esmolas. Sempre me dá muita angústia, porque, de verdade, nunca sei o que fazer. Minha esmola não vai incluí-lo na sociedade, talvez favoreça ainda mais seu afastamento. Entretanto, não me arranca pedaço dar-lhe algumas moedas ou notas verdes. Só que tenho o terrível preconceito de achar que o dinheiro nunca vai ser usado para aquilo que eles dizem. Seja pelo preconceito ou pela desculpa politicamente correta do "não dê esmola, dê futuro", nunca atendo ao pedido dos excluídos. Mas hoje foi diferente.

Estava eu a caminho da universidade, dentro do 525. Como diria Bauman, o 525 sempre foi um lugar "limpo". A bordo dessa linha de ônibus só se encontra a elitizada classe universitária, e agora, os que têm pelo menos R$30 para gastar em uma tarde no shopping. E nesse ambiente de mochilas Puma e saltos altos, surge pela porta da frente um homem de casaco de lã e tênis furado, vestindo o que restava de uma calça jeans. Se ele simplesmente entrasse e sentasse na cadeira especial lá perto do motorista, todos nós agiríamos como sempre: ignorando sua existência e descendo no ponto do Direito. Mas aquele homem com deficiência nas pernas e nos olhos, naturalmente tremulantes, começou a caminhar, distribuindo um folheto para cada passageiro.

Meu coração parou quando vi que minha vez se aproximava. Sempre entro em um profundo dilema moral quando essas situações acontecem. "E agora, o que eu faço? E agora, o que eu faço?" Um garoto à minha frente recusou receber o papel, e resolvi imitar sua atitude. Quando aquele homem se aproximou e estendeu-me a mão, olhei-o nos olhos por meio segundo, tempo necessário para que ele entendesse minha recusa. Tempo necessário para que eu percebesse que a miserável da história era eu.

A garota sentada ao meu lado pegou o papel, que fiz questão de nem olhar. Ela se pôs a ler muito interessada, enquanto eu me debatia na minha mesquinhez. O homem fazia um esforço hercúleo para chegar de novo na parte dianteira do ônibus a fim de recolher seus folhetos e algumas possíveis contribuições. Me retesei fortemente, cruzando os braços no peito e encostando o queixo no ombro. Nesse momento, eu e minha inseparável camisa amarela nos cruzamos e ela fez questão de me esfregar a verdade na cara. Quando vi aquela estampa vermelha berrando "Fé que pensa, razão que crê", imediatamente vesti o casaco. Minha fé se envergonhava de mim, assim como eu de minha razão. Nesse momento, uma garota lá na frente com um grande sorriso entregava ao homem algumas moedas. Tive vontade de queimar minha blusa em praça pública comigo dentro. Ele se aproximava de mim. Não conseguia distinguir para onde ele olhava, só torcia para que não fosse na minha direção. Até que o inevitável aconteceu. Ele estendeu a mão para pegar o folheto da prestativa leitora ao meu lado, que de altruísta só teve o gesto de devolvê-lo o papel gasto. Foi então que recebi um golpe na alma e rapidamente tirei um dinheiro da carteira e o coloquei em sua mão. Ele me respondeu com um franco sorriso amarelado e continuou seu trajeto. Pouco depois, desceu do ônibus.

No instante em que o 525 parou em frente ao shopping, comecei a pensar na humilhação diária a que submetemos nossos semelhantes. Nós, elite universitária de todos os tempos, vivemos como se os excluídos pedissem esmola apenas uma vez por mês, no momento em que cruzam nosso desinfectado caminho para o sucesso. Nos recusamos a dar-lhes esmolas, futuro e presente. Nunca imaginamos a humilhação que se apodera de suas mãos constantemente erguidas em petição. Nunca se passa em nossa mente que nós estamos roubando sua dignidade (de que talvez eles nem se saibam possuidores) ao fazer dos nossos estudos uma mera reprodutibilidade técnica do status quo que nos manterá próximos a essa realidade através, somente, das lentes de algum documentarista premiado.

Aquele homem conseguiu algum dinheiro dentro do 525, mas quem recebeu a esmola, definitivamente, fui eu.

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