segunda-feira, 5 de maio de 2008

Av. Independência

E justamente nesse dia resolvi fugir das convenções. Dane-se a faculdade, danem-se meus vinte anos, danem-se os olhos dos outros. O olho mais incômodo é o que vê dentro, e fiz questão de fechar o meu.

No trajeto que fiz a pé da universidade até em casa, descendo a comprida Avenida Independência (que, aliás, tinha um nome bem sugestivo para meu estado de espírito), resolvi andar como criança. Elas que são verdadeiramente livres, não carregando o jugo social que a idade impõe aos indivíduos. Caminhei cantando as músicas que vinham na cabeça, fazendo gestos e passos típicos de quem não sabe dançar.

Naquela tarde quase noite, senti o fraco calor do sol avermelhado que se escondia por trás dos prédios. Um ventinho gelado me arrepiou as costas, mas eu nem liguei pra ele. Pensei no sol. Se perguntassem à cidade inteira o que o sol fazia àquela hora, responderiam "está indo embora". Como não sou daqui, não me sinti na obrigação de concordar. Para mim ele estava chegando, ainda que num lugar desconhecido, num lugar que meus olhos não viam porque eu ainda estava longe do começo da Independência.

Começou então a cair um chuvisco bem leve, daqueles que só molham o cabelo se você passar a mão. Sempre gostei de tomar chuva - se bem que chuvisco é chuvisco e chuva é chuva, pena que o pessoal daqui não sabe a diferença. Enquanto eu erguia as palmas das mãos e semi-cerrava os olhos para sentir aquela garoa sem vergonha nenhuma, surgiram sombrinhas de todos os lados. Aqui eles têm a incrível capacidade de fazer brotar sombrinhas. Basta cair uma gota e instantaneamente a cidade se cobre de nylon.

Segui meu trajeto pela Independência, sem saber onde ela começa. Só sei que se deve cruzar uma ponte, depois do batalhão da polícia. E por baixo dessa ponte rola muita água. De pontes eu tenho receio, água de rio é forte, carrega o que vem na frente, e eu não sei nadar. Chuva não, ela alimenta o rio que me afoga, mas mesmo assim não tenho medo dela. Acho que é porque vem de cima, não tem como evitar. E porque na chuva a gente tem liberdade, tem água, ar e terra, tudo junto, mas bem separado. O rio faz tudo ser um só, e não sei se eu que estou nele ou se é ele que está em mim.

Tão absorta eu fiquei na chuva (é, o chuvisco virou chuva) que nem reparei que já estava de novo longe de casa. Mas a Independência era tão gostosa, tão comprida, tão cheia de vida, de morte, de metades, de contrastes, de cruzamentos - os cruzamentos sempre dão trabalho, mas adoro atravessar quando o sinal está aberto, só pra sentir o ventinho do carro que passou e quase levou meu coração junto -, que eu poderia caminhar até o começo dessa avenida só pra ver o que vem depois.

Só então vi que o meu sol já tinha virado lua, e que o ponteiro do relógio já tinha dado mais voltas do que eu. Sorri. Nesse dia dormi de tênis e com a janela do quarto aberta.

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