segunda-feira, 28 de abril de 2008

Petição

Joga fora meu amor por ti. Não haverás de querê-lo. É demasiado jovem para ser manipulado e excessivamente velho para ser inconseqüente. Nem mesmo é cego, como de costume. Enxerga cada grão do pó de teus móveis, e te há de insultar quando começar a limpá-lo.

Meu amor te trará vexame, pois é valente quando te acovardas e não treme quando desmaias. Também te pode ferir, pois não sabe o que é medir forças. Apesar disso, é lento: só consegue viver um dia de cada vez.

É provável que te decepciones, pois o amor que a ti dedico não é milagreiro. No cair da tempestade, não pense que te cederá abrigo em qualquer esquina. Só não estranhes se, em casa, teu banho estiver preparado e teu chá, quente na xícara.

Talvez o julgues orgulhoso, em especial se te abater a pobreza de espírito. Prontamente meu amor te há de exibir cada uma de suas riquezas. Nesse caso, peço, não te indignes nem te acanhes. Ah, perdão, outro defeito ainda há: memória curta. Se perguntares sobre o fétido lixo de ontem, uma expressão de espanto e esquecimento será tua resposta.

Por isso, advirto, rejeita esse amor; te será incômodo por não conseguir passar despercebido. Não por ser belo, mas por ser grande. De fato, quem o vê dele se compadece, pois parece não ser um ente pertencente a esse mundo.

Tenho, porém, derradeira petição. Renega não só meu amor, renega também a mim. Não pude amar-te com amor comum, e escondendo minha fraqueza, propus a ti um amor que a mim não pertence, antes me foi dado, presente divino. Esse amor celestial encarnado se demonstra até mais intrometido, posto que não aguarda permissão para demonstrar seu poder, embora sempre bata levemente à porta. Incapaz fui de suportá-lo sozinha e quis dar-lhe também a ti, para comigo carregares tal jugo. Se fosse meu, esse amor não te traria tantos incovenientes, nem estaria eu a retratar-me.

Perdoa a ousadia de um amor tão espirituoso e indomável, mas é o único que consigo oferecer.

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