quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Bom dia

O amor esteve à minha espera às oito da manhã de um dia qualquer. Eu descia a Espírito Santo, atrasada para chegar à faculdade. Ao avistá-lo, não consegui ser indiferente. Sem óculos e com bengala, mão rasamente estendida e ninguém para lhe atravessar a rua. Caminhávamos em sentidos opostos, mas, quem não muda de rumo ao ver o amor a esperar?

Os cabelos grisalhos, a baixa estatura e os olhos brancos não podiam saber que o sinal acabara de abrir. Parecia esperar que alguém o tocasse, não com piedade. Diversos vultos passavam indiferentes, como se falta de visão dele o tornasse invisível. Não implorava favores, ele simplesmente permanecia ali até sentir chegado o momento de seguir em seu destino.

Com tão evidente sinal, atendi ao inconsciente convite que me fez. Atravessei a primeira pista, toquei levemente em seu ombro e perguntei, Quer que eu te ajude? Com um largo sorriso, ele agilmente pousou sua mão direta em meu braço, e senti que era dotado de rara delicadeza, ainda que a manga da minha blusa comprida impedisse nosso contato. Foi o toque mais gentil que já recebi na vida.

Estremeci por dentro ao senti-lo. Era como se meus olhos já não me valessem mais, pois aqueles dedos sobre meu braço me convenceram de que a realidade por trás das sombras esconde palpáveis belezas.

Para onde o senhor vai? Vou pegar um ônibus para Manoel Honório, Mas o ponto pra Manoel Honório fica do outro lado, posso te levar? Hã-hã, bom, se não for te atrasar, Imagina, de jeito nenhum, Qual é seu nome, filha? Eu sou Manueli, e o senhor? Começamos a caminhar, lado a lado. Seus passos eram firmes e mais velozes que os meus próprios.

Nunca tinha acompanhado alguém dessa forma, não sabia direito o que dizer. Decidi ir descrevendo o que acontecia ao redor, o ponto que estava vazio e de repente ficou cheio, os ônibus que passavam ou deixavam de passar, e ele dizendo muitos hã-hãs com sorrisos durante todo o trajeto, com um respeito tão profundo quanto a minha felicidade.

Atravessamos a segunda pista e chegamos ao ponto de ônibus. Desculpe não ficar aqui pra te dizer se o ônibus chegou, mas estou um pouco atrasada pra faculdade, Que isso, muito obrigada, minha filha, e nesse momento um inesperado abraço aconteceu. Assim, como qualquer camarada abraça o outro, simples e natural, desse jeito. Fiquei surpresa por me surpreender, afinal, por que não? Eu pude conhecê-lo no início porque minha visão o tocou. Ele só me conheceu no fim, quando seus braços me viram. Ainda surpresa, disse Tchau, fique com Deus, Deus te acompanhe, Amém.

Atravessei a última pista, contente e arrependida. Queria voltar ao começo, para lhe apresentar os cabelos cacheados, as orelhas pequenas, os olhos grandes e as poucas espinhas que também podem ser chamados de Manu. Foi a manhã mais feliz da minha semana.
(março de 2008)

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