quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

A carteira de trabalho do meu pai

(Por que será que ninguém sorri na foto da carteira de trabalho?)

Esses dias comparei a minha carteira linda, novinha, sem um pingo de caneta, com a do meu pai - com carimbos de várias cores, diferentes assinaturas e marcas de enchente.

Além da diferença estética evidente, o Ministério do Trabalho e Emprego da época tinha um nome muito mais proletário: Departamento Nacional de Mão-de-obra. E olha que na época o regime era militar. A foto do meu pai, ainda com seus 25 anos mostrou uma carinha que parecia de ingressante no DOI/CODI: cabelo liso partido para a esquerda, costeletas, bigodinho. Se não fosse pelo último item, também daria um ótimo Beatle. Ele usava uma blusa "cacharrel" e um casaco bem esporte, que continha o número 1772. Era a data.

Descobri que meu pai já trabalhou jo IBGE, que quando ele casou não alterou seu estado civil na carteira de trabalho e que no meu nascimento ele recebeu 350 cruzeiros de auxílio natalidade. Não sei se era muito ou pouco na época, mas foi o suficiente pra garantir um sorriso na minha cara ao ver o meu nome lá, escrito certinho, com um l e i.

Descobri também que de 78 a 82 meu pai foi autônomo. Eu sabia que ele é contabilista, mas nunca imaginei que já tivesse vivido, por tanto tempo, fazendo isso. Ah, além disso, meu pai foi vereador por 6 anos. Disso eu já sabia, mas achei curioso serem 6 anos. Mas isso não estava na carteira dele, naquela época vereadores não recebiam salário. A propósito, será que os atuais vereadores têm carteira assinada? Se sim, a situação é mais feia do que eu imaginava.

A carteira do meu pai terminou sem acabar. Hoje ele usa uma outra, uma azul, que ainda assim não é tão bonita quanto a minha. Nessa ele está devidamente casado, mas eu não apareço nela. Tudo bem, tem coisas que a carteira de trabalho não mostra, como os cabelos brancos que só aparecem quando eu bagunço o cabelo dele. Como o café que ele deixa amargo na garrafa porque eu não tomo açúcar - e que ele adoça com Leite Moça quando minha mãe faz sobremesa. Como o Trident que ele sempre me dá quando eu vou viajar ou como o beijo diário de bom dia que quase não percebo porque ainda estou dormindo. Tudo isso é hora extra, por causa do trabalho que ele tem pra ser meu pai. Ainda bem que pra essa função ele não precisa de carteira assinada, assim, ele nunca vai poder pedir aposentadoria.

Nenhum comentário: