quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

A flor do dedo pendente

Chegou à casa uma planta chamada Dama da Noite. Ela tinha um caule de quase um metro, encurvado pelo peso das folhas longas que só nasciam na extremidade. Apesar do tamanho, não era uma planta, digamos assim, muito chamativa. O vaso foi colocado no quintal, próximo à varanda, sem muitas cerimônias nem alardes.

Um dia, de uma dessas folhas, brotou um cabinho. Ele tinha a espessura e o comprimento de um dedo. Era uma imagem estranha, um desafio às leis da sustentação e da harmonia das formas. Aquele cabinho era quase um corpo estranho na folhagem plana e machucada da planta.

Passado algum tempo, eis que surge um botão nesse dedo sem mão da Dama da Noite. Vendo-o, o pai disse:
- É hoje que a flor vai abrir.
- Às dez horas - completa a mãe.
A filha, que de planta só sabia o que aprendera na escola, achou engraçada tamanha precisão dos pais:
- De onde vocês tiraram isso? A coitada tem até hora pra abrir?

Fato é que à noite estavam os três na varanda. Provavelmente por casualidade, já que ninguém sabia que horas eram e as luzes estavam apagadas. Um deles resolveu buscar algo e acendeu a luz da sala. Na penumbra feita na varanda, uma voz se ouviu: "Olha lá a flor!"

Ela era enorme, branca como a pureza que não há mais no mundo. As pétalas, fartas, pareciam as saias de uma dançarina de Cancan congeladas por uma foto. Foram dois olhar de perto, enquanto o terceiro voltava de dentro da casa, correndo, com a câmera numa mão e as pilhas do controle remoto da TV na outra.

Ficaram um tempo observando a elegância da flor nascida na bizarrice daquele dedo pendente.

A foto que tiraram, obviamente, ficou terrível. A pilha fraca não deixou que escolhessem o flash certo; estava escuro no quintal e a brancura humilhante da flor fez com que a luz refletisse e a imagem mais parecesse o instantâneo de um queijo minas caindo no abismo.

Dois dias depois, a filha saiu à varanda pela manhã.
- Mãe, a Dama da Noite murcha durante o dia?
- Ih, filha, não sei. Ela tá murcha?
- Tá... Ela abriu ontem à noite?
- Não sei, não vi.
- Será que vai abrir hoje? Ou já murchou mesmo?
- Vamos ter que esperar pra ver, né?

Nesse momento, estão lá fora a filha, olhando a flor desvalida no dedo pendente da folha plana, a flor, sonâmbula, fitando o chão, e o tempo, passando por entre elas.