quinta-feira, 5 de março de 2009

Má educação (título possível)

"Sobre todos os cumes
É o silêncio
Na copa de todas as árvores
Você sente
Apenas um suspiro
Os passarinhos se calam na floresta.
Tenha paciência, logo
Você descansará também."

Esses versos passavam diante dos meus olhos quando o ônibus arrancou rumo ao centro da cidade. Não planejava fazer nenhuma exegese do texto, mas também não esperava que minha leitura fosse interrompida pela onda insuportável de calor e suor que arrombou as portas no ponto seguinte. Nem precisei do relógio pra saber que horas eram. Sem que ninguém pedisse, o portão da escola de quatro andares se engasgava de tanto gritar: são cinco da tarde, são cinco da tarde!

De igual forma, as crianças que se autodenominavam adolescentes alastravam suas vozes por todos os lados. O barulho dos tênis que subiam pesadamente as escadas tornava o ar ainda mais denso. Um terrível mau-humor entrou no ônibus junto com aqueles estudantes, e se sentou bem no meu colo.

Quem me conhece sabe que tenho profunda simpatia por efusões juvenis. Infelizmente, sei distinguir espontaneidade e alegria de exibicionismo e inconveniência gratuita. Quis respirar fundo para suportar aquela violência sensitiva, mas seria pior. Contentei-me em revirar os olhos.

Por sorte, a distância entre minha casa e o centro é curta, logo chegou minha hora de descer. Um senhor de fartos cabelos brancos, que não escondeu muito bem seu desconforto diante da má educação daquelas crianças colocou-se à porta, próximo a mim. O ônibus começou a diminuir a velocidade.

- Não me empurra, não ta vendo que tem um moço aqui?
- Deixa esse velho descer primeiro pra não atrapalhar a gente.
- Velho não, senhor de idade - retrucou a primeira voz.

Não consegui distinguir se aquele tom sugeria uma repreensão ou uma zombaria velada. Resolvi não pensar sobre isso. Quando a porta se abriu, esperei que o senhor saísse, e nem precisei me dar ao trabalho de descer, pois uma pressão ardente e contínua me pôs pra fora. Queria andar o mais rápido posível para retirar aquela sensação opressora e invasiva da minha pele.

À minha frente estava o senhor, com passos firmes e contrariados. Com desprezo ele cuspiu na roda dianteira do ônibus.

Quando voltei pra casa, enquanto subia a ladeira da minha rua, cheguei à conclusão de que a diferença entre oprimidos e opressores é uma simples questão de oportunidade.

Nenhum comentário: